Segunda, 10 de Outubro de 2016 - 11:00
por Guilherme Ferreira / Estela Marques | Fotos: Fernando
Duarte / Bahia Notícias
O movimento iniciado em março de
2015 refletiu no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e respingou
no resultado das eleições municipais deste ano. Na Bahia, por exemplo, o PT
saiu de pouco mais de 90 prefeituras para apenas 39. O historiador político
Carlos Zacarias, entrevistado da semana no Bahia Notícias, atribui a situação à
frustração dos setores que acreditaram no PT, em decorrência não só do
afastamento de Dilma, como também dos esquemas de corrupção desvendados pela
Operação Lava Jato. Apesar dos fatos, Zacarias não acredita que este seja o
final do partido. "Ele [o PT] pode continuar existindo com essa sigla, mas
o Lulismo não vai existir mais, nem vai ter essa preponderância e atrair
segmentos como vinha atraindo nos últimos tempos", avaliou. Carlos
Zacarias é formado em História pela Universidade Católica do Salvador, mestre
em História pela Universidade Federal da Bahia e doutor no mesmo tema pela
Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor da Ufba e coordena o
Grupo de Pesquisa História dos Partidos e Movimentos de Esquerda na Bahia e
atua como pesquisador no Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades da
Ufba.
O PT perdeu cerca de um terço das
prefeituras em todo Brasil. Na sua avaliação, já houve alguma perda parecida?
Você acredita que o partido recupere o espaço que perdeu nessas eleições?
O PT da forma que existia não
existe mais. O partido se modificou na história, não é mais o PT das origens,
que eu costumo relacionar com Santo André-Lins, que fundou em 1979, o PT que
existiu nos anos 1980 e que veio até 1989. Esse partido se modifica depois de
1989, nos anos 1990 vem se adaptando à institucionalidade, ganhando mais espaço
nos parlamentos e executivos, e esse partido finalmente em 2002 alcançou o
Executivo central do país, antecedido pela Carta Ao Povo Brasileiro, em que
Lula dizia que ia governar cumprindo contratos, enfim, acalmando o mercado. Era
uma carta aos setores empresariais que desconfiavam da sua chegada. Esse PT, do
Lulismo, não aquele PT de Santo André-Lins, se supunha que ele iria existir nos
marcos das formas que a democracia permite no Brasil. Esse PT agora sofreu um
abalo profundo e precisa rever. ELe abriga setor que ainda vem nos anos 1970 e
que é esse que está nas ruas resistindo, fez manifestação em função da operação
que envolve Rui Costa [governador da Bahia cuja campanha de 2014 é alvo de
operação da Polícia Federal], que ainda tem esperança de reaver o PT dos anos
1980, o que não me parece que seja possível. Mas o PT do Lulismo me parece sofrer
um abalo profundo. Ele pode continuar existindo com essa sigla, mas o Lulismo
não vai existir mais, nem vai ter essa preponderância e atrair segmentos como
vinha atraindo nos últimos tempos.
Por outro lado, o PSDB
apresentou um crescimento de 15% nessa eleição. Já houve uma inversão de
poderes entre direita e esquerda tão rápida como a que a eleição deste ano
apontou?
Houve, porque a ascensão do PT
foi vertiginosa. O PT praticamente acabou com as oposições no Brasil. Com
exceção do campo da direita ao PSDB e do DEM, todos os partidos que estão na
situação hoje junto com o PMDB se perfilaram com o PT quando foi governo. Há no
aspecto político brasileiro de 35 partidos, absolutamente fisiológicos, que por
conveniência se juntam aos partidos do governo. Então o PT teve ascensão
vertiginosa, praticamente destruiu a direita, roubou as bandeiras do PSDB e do
DEM, porque fez privatizações, utilizou eufemismo nas concessões, praticou
estelionato eleitoral na última eleição com Dilma Rousseff, que fez exatamente
aquilo que disse que não ia fazer. Ou seja, na eleição, em função do que estava
na sua oposição com chance de ganhar, Dilma Rousseff fez uma guinada à esquerda
e governou exatamente como o PSDB governaria. Essa ascensão do PT foi
vertiginosa e acabou praticamente com a oposição. No campo da esquerda só
sobrou oposição da esquerda, que eleitoralmente não tem quase nenhum espaço,
com exceção agora do PSOL, que tinha dois e já elegeu dois prefeitos, podendo
chegar a cinco no segundo turno. Isso é um número grande? Não, é um número
irrisório do ponto de vista eleitoral. Mas se você olhar que o PSOL movimenta
um campo de esquerda que socialmente faz greve e luta, faz o ‘Fora, Temer’,
enche as passeatas, habitualmente ocupou as ruas nesses anos todos, isso tem um
impacto muito grande. O significado da eleição no Rio de Janeiro deve ser
atentado por todo mundo. Essa polarização desde 2014 é agora absolutamente
revelada no que significa a candidatura de Crivella por um lado e Freixo do
outro. São extremos opostos. O Brasil do século XIX ao Brasil do século XXI. É
preciso dar atenção ao que está se conformando no Rio de Janeiro, pode ser a
nova esquerda do país. Não exatamente o PSOL, mas alguma coisa ali junto com o
PSOL, com as organizações que estão na esquerda e sequer são partidos, mas
atuam muito nas lutas sociais do país.
Aqui em Salvador,
especificamente, ACM Neto teve mais de 70% dos votos. Por que a esquerda daqui
não conseguiu fazer uma campanha competitiva contra o democrata?
A esquerda do PCdoB, ex-governista,
que tentou nacionalizar a campanha, sempre aconteceu isso. Às vezes uma
campanha nacionalizada funciona, às vezes não funciona. Em São Paulo funcionou
a nacionalização da campanha que maculou muito a imagem de Fernando Haddad. As
pessoas que votaram em João Dória não apenas deixaram de votar em Fernando
Haddad porque achavam que ele fez uma má gestão, mas deixaram de votar nele
porque ele era do PT. Um partido que desperta imensa expectativa há de ter
imensa frustração. O partido que não desperta expectativa nenhuma as pessoas
esquecem que fez alguma besteira. O PT ninguém vai esquecer. Essa
nacionalização em São Paulo funcionou e em Salvador não funcionou. E a
candidatura à esquerda do PCdoB e do PSOL é muito pequena, apesar de ter eleito
Hilton Coelho como um dos vereadores mais votados de Salvador, foi uma eleição
difícil. O PSOL não tinha como emplacar uma candidatura como a de Fábio
Nogueira, sem expressão eleitoral, pessoa que apareceu agora. Então ACM Neto,
que foi julgado não porque era do DEM “golpista” como o PCdoB diz, mas porque
era do DEM que sucedeu João Henrique, resolveu os problemas da cidade, aumentou
a autoestima, embelezou a cidade, que se aproximou dos setores populares, que
fez pequenas reformas, ainda que concentrando recursos nos bairros nobres e
turísticos. As pessoas querem um gestor. As pessoas que votaram em ACM Neto vão
passar os dois próximos anos provavelmente esquecidas da política e xingando os
políticos, inclusive, ACM Neto, mas elas querem se livrar do problema, passam o
problema para ACM Neto porque provavelmente ele em comparação com João Henrique
modificou a cidade e isso é o que foi avaliado.
A maior parte de Salvador
se posicionou contra o impeachment e acredita que o processo foi um golpe. Como
você acredita que esse processo será avaliado no futuro? O uso desse discurso
trouxe benefícios nessa corrida eleitoral ou ainda é cedo para analisar?
Não, na corrida eleitoral isso
não impactou em nada. As pessoas simplesmente taparam os olhos ou nariz em
função de quem é golpista ou quem não é golpista. Votaram em quem acham que é o
melhor gestor e repito: ACM Neto está sendo julgado à luz do que foi João
Henrique e qualquer um que estivesse no lugar de ACM Neto largaria na frente,
teria muito mérito, porque João Henrique foi um desastre para a cidade e é
perceptível isso. Mas o que a gente não sabe é no futuro. Michel Temer continua
muito mal avaliado, saiu pesquisa da CNI-IBOPE e considerando a margem de erro,
os índices de impopularidade dele são os mesmos anteriores, até se acentuou um
pouquinho, 1%. As pessoas não confiam em Temer e me parece que as pessoas vão
continuar sem confiar, porque ele vai mover mundos e fundos pra fazer o que
prometeu e pra fazer aquilo que levou setores da classe dominante brasileira à
saída - alternativa altamente arriscada, que é o impeachment, sem crime
efetivamente comprovado. Não é impeachment de Collor, que havia unanimidade e
necessidade de tirar Collor, não havia necessidade de tirar Dilma. O Brasil
corria o risco de sucumbir a uma convulsão. Então os setores do alto
empresariado apostaram nesta saída muito arriscada e Temer tem que entregar
aquilo que prometeu e aquilo para o qual foi conduzido à cabeça do Executivo do
país. Nós não sabemos depois da eleição como vai ficar o ‘Fora, Temer’. As
pessoas vão continuar desconfiando de Temer porque vem aí reforma na
Previdência, reforma trabalhista, PEC 241 que congela os gastos públicos dos
próximos 20 anos, reforma do Ensino Médio - altamente impopular. Não tem
confiança se as pessoas vão se mover para as ruas pra continuar encampando o
‘Fora, Temer’. Pode ser que essa eleição tenha marcado um enfraquecimento do
‘Fora, Temer’ e um fortalecimento, ainda que um consenso passivo de Temer: as
pessoas não gostam dele, mas deixa lá pra ver onde vai dar.
Já é possível visualizar como
esse processo de impeachment vai ser tratado no futuro ou é cedo?
O processo do impeachment está
consumado. Não tem mais reversão. O PT não quer o retorno de Dilma, acho que a
própria a essa altura também não quer. O que o PT e o PCdoB querem é desgastar
o governo até 2018, garantindo a possibilidade de que Lula venha a concorrer à
eleição. Esse é o setor que saiu do governo agora. Mas há um setor de esquerda
que quer efetivamente o ‘Fora, Temer’, eleições gerais com novas regras já, que
quer uma saída de Temer. Esse setor continua ativo, está representado no Rio de
Janeiro com Freixo, depois da eleição no segundo turno vamos ver como isso vai
se afigurar no país. Pode ser que haja novas manifestações convocadas, mas uma
coisa já não tem mais a ver com outra. O impeachment já está dado. O que passa
é a gente saber agora como nós vamos enfrentar o governo Temer, como enfrentar
as reformas impopulares que Temer está anunciando que vai promover aí.
Daqui dois anos você acredita que
ainda teremos reflexos do que aconteceu este ano? Rui Costa pode ser
prejudicado por essa queda do PT?
Sim. Já me perguntaram se a
situação nacional impactava em Rui Costa. Não impactava até aqui. Agora passa a
impactar, porque não é mais o julgamento do PT no plano nacional que está em
causa, mas o fato de o PT caiu de 92 prefeituras para 39. E que já há
movimentação nos 417 municípios da Bahia para ver quem é o potencial candidato
que tem chances de se eleger em 2018. Isso certamente vai apontar pra ACM Neto,
que já disse que deve sair em 2018 para ser candidato. Então Rui Costa vai ter
muita dificuldade de recompor a base dele nos municípios, que foi a base que
Jaques Wagner criou no espólio do Carlismo, que se supôs que tivesse
desaparecido com a derrota de Paulo Souto no primeiro turno para Jaques Wagner
na eleição de 2006, e que isso também se desfaz. É uma base altamente instável.
Não são setores que organicamente se vincularam ao PT. São setores que
fisiologicamente se vincularam ao PT porque é partido do governo, partido do
poder. E se esses setores começam a perceber que o partido do poder vai sair,
ainda mais por ser partido em que nunca confiaram, eles vão se juntar a outras
agremiações, possibilidade e lideranças. E ACM Neto é identificado como essa
liderança. Rui Costa vai ter muita dificuldade de se emplacar como sucessor
dele mesmo na reeleição de 2018.
Em nove cidades no Brasil o
índice de abstenção ficou acima de 30% e em Salvador o número ficou um pouco
acima de 21%. Por que houve desinteresse dos eleitores nessa eleição?
A política saturou a população
brasileira como nunca antes havia acontecido. A política já esteve nos
noticiários, nas pautas das conversas em universidade, escolas, fábricas, mas
numa perspectiva de esperança. Nos anos 1980 a gente estava saturado de
política todo dia, mas estávamos gritando Diretas Já; a esperança de um Brasil
melhor estava colocada no horizonte, o país do futuro ia finalmente se
consumar. Era o que nós percebíamos. A essa altura a política saturou pela
negativa. Permanecer dois anos no noticiário à base de escândalos de corrupção
saturou. As pessoas nunca confiaram nos políticos, agora menos ainda. E um
partido que aparentemente representava o que era diferente fez exatamente
aquilo que disse que não faria. O PT empurrou a bandeira da ética na política e
justamente sua implicação nesses escândalos de corrupção cobram preço alto. Há
contingentes enormes que estão frustrados com o PT e simplesmente não vão votar
mais, acham que não têm nenhuma alternativa. Se o PT chegou a esse ponto,
imagine os outros todos que sempre fizeram isso e nunca foram implicados. Há
frustração grande com a política. Isso não quer dizer que vá permanecer assim.
Não é tendência, algo crescente. Não quer dizer que nas próximas eleições vamos
ter 30%, 40%. Isso pode se reverter se a política sair da pauta, se as coisas
se apaziguarem, se os políticos e partidos aparecerem de maneira menos negativa
do que apareceram nesse período.
http://www.bahianoticias.com.br/entrevista/486-carlos-zacarias.html
http://www.bahianoticias.com.br/entrevista/486-carlos-zacarias.html
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