Leandro Karnal | Hamlet é o
anti-facebook
“Hamlet
é o anti-Facebook. Ele não só não é feliz como não faz questão de parecer
feliz. Hamlet é melancólico. Tem uma consciência brutal. E quem tem consciência
brutal não sorri nem compartilha sua vida medíocre o tempo todo”, disse o
historiador durante o Café Filosófico CPFL “Hamlet de Shakespeare e o mundo
como palco”
Para o
palestrante, o mundo de artificialidades postado diariamente no Facebook é um
mundo destituído de consciência. Um mundo que não se conhece e se nega a
envelhecer. “As dores que nós inventamos – familiares, financeiras – é o
disfarce de uma dor maior. Uma dor não falada. Quando as pessoas começarão a
ser e deixarão de não ser?”, questiona.
O estoicismo de Hamlet, disse Karnal, é o estoicismo de quem se
conhece e não se ofende. “A consciência moderna nos leva ao grande mal da
humanidade: a solidão estrutural. A modernidade nos trouxe a diversidade
política e religiosa. Como não tenho amigos, tenho 3.000 no ‘Face’. Como não
tenho nada interessante para mostrar, eu fotografo tudo. Isso é sinal não de um
Narciso fraco, mas um Narciso que não ouve ninguém. A solidão individual a dois
ou a três é a norma de todas as pessoas.”
Segundo
o historiador, somos cada vez mais solitários porque temos cada vez mais
dificuldade em estabelecer algo orgânico e significativo com o mundo. Na peça
de Shakespeare, o príncipe se questiona o tempo todo. Hamlet pergunta à caveira
diante da morte inevitável: “quem eu sou de verdade? Quem sou eu que preciso
estar presente em tantos personagens? Por que preciso que tanta gente me
veja?”. A pergunta se estende à plateia: o que somos de verdade com ou sem o
apoio da igreja, da família e de outras instituições para as quais estamos
sempre cumprindo papéis? “Se a família te apoiar ou te criticar, você
continuará sozinho”, diz Karnal.
Para o
historiador, a fala reflexiva de Hamlet desapareceu no mundo contemporâneo.
“Quando penso no que estou dizendo, digo menos, porque é mais significativo. O
restaurante por quilo é uma maravilha. Mas restringiu todos os alimentos ao
mesmo sabor. Quando não tenho sabor nas coisas que eu vivo e faço, eu
multiplico as coisas que vivo e faço. Eu não suporto ficar em casa comigo
mesmo. Por isso preciso viajar o tempo todo. Prefiro o caos do aeroporto ao
silêncio de casa.”
Essa
ausência de consciência, segundo ele, é observada diante do medo de encarar a
morte como um caminho inevitável. “A sabedoria é a preparação para dar sentido
à vida de quem morre. A vida, sem a morte, seria insuportável. Como não
aceitamos o envelhecimento, criamos crianças que devem viver uma infância cada
vez mais longa e protegida. Mas é bom dizer às crianças que elas precisam
deixar de ser crianças.”
Para
fugir deste encontro, no entanto, as pessoas seguem encenando. Preferem se
sentir vigiadas a se sentirem sozinhas. Preferem a crítica ao abandono. “Quem
eu seria se eu estivesse absolutamente só no mundo? Resposta: seremos
solitários com outros solitários.”
“Quanto
mais escrevo ‘KKK’ no Facebook, mais estou triste. Preciso que o mundo ‘curta’
a vida que acho insuportável. Da mesma forma, precisamos de hospício para
imaginar que, estando fora, não somos loucos.”
Para
Karnal, o que Hamlet nos diz é: só interpretamos cenas, etiquetas e
formalidades porque não aguentamos saber que todos fazem parte de um teatro.
Hamlet, lembrou o palestrante, não governou seu reino. Ele foi o primeiro homem
livre. O primeiro homem moderno. E pagou um preço altíssimo por isso.
“Tente
descobrir vagamente quem você é. Você não será feliz. Mas sua consciência o
impedirá a ser vazio. E você não precisará postar o tempo todo na internet.”
Segundo
o palestrante, vivemos hoje um momento de pura burrice argumentativa. “A nossa
capacidade de ouvir está muito baixa. Quando não quero ouvir, a solução é a
guerra civil. Há quem defenda: ‘vamos dividir o país’. A primeira condição da
política é o diálogo. O seu ódio do outro é o seu medo de si. O diálogo nos
humaniza.”
Trecho do Café Filosófico ¨Hamlet de Shakespeare e o mundo como
palco¨, Com Leandro Karnal, abril de 2015.
https://www.youtube.com/watch?v=BdJ8CnyTHM4
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